sábado, 5 de dezembro de 2009

O Doce Amargo Do Açúcar – Mara Narciso


A menininha tem cinco anos, é fofinha, com pele clara, cabelos cor de mel, finos e encaracolados. É aquela criança que convencionamos chamar de gracinha, de tão delicada que é. A mãe deixa a menina na escola e vai para o trabalho, mas no final do dia pega a filha e podem ficar juntas um pouquinho. 

Notou que a menina estava urinando muito e a toda hora. Olhava intrigada quando mais uma vez, e outra e mais outra, em um pequeno intervalo a criança pede para fazer xixi. Concomitantemente veio a sede intensa. Na hora de dormir pediu mais um copo de água. E de manhã a cama estava molhada. Então foi um susto, já que desde os dois anos a menina não mais urinava na cama. 

A mãe não hesitou e a levou imediatamente ao laboratório para fazer um exame de sangue. Houve a confirmação do diabetes. A glicose estava muito elevada, mas não foi preciso internar. A endocrinologista mandou iniciar com as injeções de insulina imediatamente, antes que a alta do açúcar no sangue ameaçasse a vida da menina, que também tinha emagrecido. 

Então começaram as instruções para bem cuidar daquela taxa de açúcar que sobe e desce ao sabor dos ventos. Foi indicada uma visita à nutricionista que prescreveu uma dieta. Sugeriu várias restrições, e também fixou os horários e as quantidades dos alimentos. É preciso obedecer com rigor para tentar evitar grandes flutuações da glicose. 

Quando a criança acorda, a mãe faz o exame de ponta de dedo – a glicemia capilar-, para verificar a taxa de açúcar, e então calcula qual dose de insulina deverá ser administrada. Após a insulina, a menina alimenta-se dentro daquilo que foi pré-determinado, e só então pode brincar. A escola é na parte da tarde. 

A mãe sabe que não pode atrasar nenhuma refeição, e nem fazer exercício com o estômago vazio. Antes disso é preciso comer. É necessário um equilíbrio entre a comida e a insulina. É como se a glicose estivesse numa gangorra, ora subindo, ora descendo conforme a ação da insulina, do alimento e do exercício. 

A alimentação, a emoção, as doenças, especialmente a febre, são determinantes para fazer a glicose subir. Ao contrário, a diarréia e vômito, assim com exercício, e atraso nas refeições são fatores de abaixar a glicemia. Isso como regra geral, pois até os mais experientes cuidadores da glicemia surpreendem-se quando fazem tudo exatamente igual em dois momentos e o resultado vem muito diferente. 

O maior medo é da hipoglicemia. Ela é o terror das mães de crianças pequenas com diabetes. É que a glicose normal é muito próxima da glicose baixa. Um pequeno deslize pode ser suficiente para que ocorra um desequilíbrio com uma baixa exagerada onde a criança poderá manifestar uma ameaça de desmaio e até mesmo um desmaio real, com convulsões. Para evitar isso, as mães fazem exames de glicemia de madrugada para assim quantificar a ação da insulina na hora em que o estômago está vazio, e os riscos são maiores. Os resultados baixos são tratados com alimento. 

Na escola, a professora sabe fazer o exame de ponta de dedo, e ele é feito antes do lanche, ocasião em que a insulina é calculada e dada conforme a necessidade. Após alimentar, a criança vai brincar com as outras. No começo desse controle, a mãe olhava a filha mortificada, sentindo nos próprios dedos a dor das constantes picadas. Sabe que elas são imprescindíveis para evitar grandes mudanças, e as temíveis complicações, sejam as agudas que são os desmaios, sejam as crônicas que são as lesões da retina, dos rins, dos nervos e da circulação que ocorrem quando o tratamento é inadequado. 

As consultas médicas devem ser frequentes, em vista da necessidade de mudanças nas dosagens da insulina e ainda nas trocas das marcas, pois o tratamento não para de evoluir e novas insulina, mais fisiológicas são produzidas a cada dia. A mãe sabe que há as insulinas lentas que cobrem a situação no jejum e as insulinas ultra-rápidas que cobrem a glicemia na alimentação. Daí a necessidade de calcular as doses a cada refeição. 

São tantas as variações da glicemia que a mãe diz com ar estafado: “a glicemia da minha filha oscila muito. Parece ser impossível conseguir uma redução nos picos e vales, de tanto que varia”. Mas ela já entendeu que isso não é uma particularidade apenas da sua criança, pois já pesquisou e se consultou com mais de um especialista, deduzindo que essa gangorra longe está de ser uma especificidade da sua menina. 

Enquanto a mãe fala dos seus anseios, a filha olha pela janela, e se volta com um lindo sorriso dizendo que vai passear no shopping após a consulta. Está alheia e feliz, e não parece se preocupar com a nova realidade. A mãe sofre mais do que a criança. A menina já se habituou às picadas nos dedos, que já estão feitos peneiras de tão furadinhos, assim como com as injeções aplicadas com as práticas canetas e as difíceis restrições alimentares. A mãe, a cada perfuração em busca do sangue, sente doer dentro da alma. E ainda se tortura pensando em que está errando por não conseguir controlar o diabetes tão bem quanto lhe foi solicitado. 

Passando pela porta, em busca da saída, a menininha despede-se sorrindo, com a sua graciosidade infantil: “tchau”! E acena com a mão direita cor-de-rosa, cheia de buraquinhos, naquela distância, invisíveis, como é invisível a ação protetora e angelical da sua jovem mãe. 

*Mara Narciso é médica, acadêmica do sétimo período de Jornalismo e autora do livro “Segurando a Hiperatividade”

Um comentário:

  1. Que texto lindo! Minha menininha Malu diabética aos 11 meses de idade, me sinto como essa mãe, pois as mães de crianças diabéticas sofrem muito em ver seus pequenos levando furadinhas o dia todo.
    Precisamos ter fé na vida futura e acreditar que nada é por acaso, Deus nos deu uma missão e temos que cumpri-la da melhor forma possível.
    Boa sorte mamães!
    Bj doce!
    Aline Rêgo Sousa

    ResponderExcluir